A VAIDADE E O ESTADO DE ALIENAÇÃO

A VAIDADE E O ESTADO DE ALIENAÇÃO



O comportamento humano é complexo. Há indivíduos inclinados a trilhar caminhos difíceis fadados a encontros com desastres previsíveis; já outros refinam a estratégia escolhida e colhem melhores resultados. O grau de liberdade ofertado a cada um nesse processo não é muito claro, sobretudo pela engenhosidade contida nas circunstâncias inesperadas da vida. Porém, é razoável aquiescermos que essa falta de clareza se concentra naquilo denominado por Tomás de Aquino como o pior dos pecados: a vaidade. 

O vaidoso assemelha-se a um balão de gás; embora cheio, não há conteúdo ali, e a aproximação desse vazio o desampara a tal ponto de nem mesmo perceber acerca das alternativas disponíveis. Configura-se nesse instante uma ruptura do pensamento. A soberba é mãe de outros defeitos, e à medida que descaracteriza o pensar, conduz o homem à escuridão. Compreender a vaidade como algo intrínseco à humanidade é fazer um juízo ponderado ligando-a com o que é passageiro, fútil; uma vez sendo sua essência preservada na adoração das coisas criadas.

Dos anjos ao homem moderno, de Caim a Calígula, vimos o poder da vaidade em sua plenitude e guiando seu possuidor à ruína. Lúcifer era o mais belo da falange, mas sua soberba ascendeu-se e o fez decair do paraíso. Igualmente assistimos rotineiramente o desgaste nas relações interpessoais; fomentado, majoritariamente, por uma postura egocêntrica com raízes fincadas na vaidade. O vaidoso enxerga o mundo por uma ótica narcísica, como se todos os mecanismos existentes estivessem para sua pessoa, e não o contrário. É uma visão deformada e tipicamente ilusória.

Contudo, o vaidoso também carrega pontos fracos, especialmente no que diz respeito a sensibilidade experimentada na opinião do outro sobre ele. Essa perspectiva o incomoda. Curiosamente, embora viva centrado em si, jamais perde de vista o crivo alheio frente à sua atuação. Constrói-se aí sua principal fragilidade emocional, afinal, ele sempre dependerá de alguém validando seus atos, numa espécie de tutela psíquica perene e regulatória.



Em maior ou menor escala, somos todos vaidosos! Essa constatação é óbvia e não contradiz o argumento elucidado até aqui. Portanto, o desprezo enfocado nessas linhas volta-se para a vaidade em excesso, àquela comumente achada no culto à irracionalidade. Em demasia ela aliena; em escassez põe em dúvida a identidade. Uma autoestima saudável coaduna numa pitada de vaidade rigorosamente dosada e salutar ao exercício do viver.

Em oposição, ao menos para os mais afeitos às doutrinas religiosas, o antídoto para expurgar a vaidade se encontra em uma vida humilde, quando o sujeito internaliza sua formação como parte da Criação, antagonizando a ideia do ter e adotando a prática do dar. É um bom plano! Entretanto, talvez o controle da vaidade se erga exatamente pela vaidade; afinal, a vulnerabilidade exposta pelo vaidoso é o temor consciente do que o outro pensa dele. E se assim é, esse terá mais cuidado ao expressar sua soberba, limitando-a em crescimento e forma.

Por trás da vaidade esconde-se ainda uma vontade desesperada de busca por atenção. O sujeito vaidoso está ansiando que os demais percebam seu repertório como se, legitimamente, isso fosse imprescindível. Muitos querem a observação para a presença de uma esposa belíssima, ou para um corpo torneado, de repente a fluência em três idiomas, etc., os motivos são inúmeros e levam para o mesmo desfecho: a validação de mim pelo o olhar do outro. Além disso, todo esse contexto de afirmação é conflituoso e machuca as pessoas ao redor no seu desenrolar.

Por fim, para traçarmos um bom modelo de vida, será preciso que transformemos as virtudes em uma consciência abnegada de proclamação e, concomitantemente a isso, o reconhecimento público dos nossos defeitos com a compreensão pacífica em relação aos dos outros.  E se por acaso o objetivo seja brilhar, que seja então pelo brilho do controle da vaidade, e não por sua propaganda. A vaidade deve ser refreada, caso contrário será ela a nos governar sem termos, de fato, a real noção presente.



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