O ESTRANHO NO NINHO
O ESTRANHO NO NINHO
A festa está animada! A música estrondosa passeia por todo o ambiente e embala a azaração e os inúmeros goles da insaciável sede dos boêmios. Os grupos estão formados, cada um com suas afinidades, e você ali, no meio do espetáculo, se perguntando, pela milésima vez, por que estou aqui? Essa é a tal sensação de não pertencer. Pode acontecer em uma determinada área ou até mesmo na vida por inteira. Assim, o sujeito se sente um estranho perante a tudo à sua volta, como se fosse alheio a este mundo e descompassado com os mecanismos presentes nele.
No trabalho, nos laços afetivos, no seio familiar, são exemplos de estadas desconfortáveis sentidas por algumas pessoas ao longo de um viver marcado principalmente por um contínuo incômodo em estarem fora do ninho. O modo de organização e de atuação da sociedade também pode gerar inquietação a esses indivíduos; afinal, para eles, as prioridades e os anseios normatizados, que a maioria das pessoas persegue, não despertam cobiça. Todavia, causa-lhes sofrimento; pois, uma vez fora do padrão social estabelecido, experimentam o amargor de serem preteridos em detrimento do pensamento dominante.
Erroneamente, o ser humano liga-se a expectativa e abre mão da possibilidade; desenha-se daí um desfecho quase sempre pautado pela dor. Dói pelo simples fato de não sabermos lidar com a rejeição. Desde tenra idade fomos condicionados para sermos paparicados e atendidos nas mínimas necessidades. Ao crescer, nos deparamos com vários “nãos”, e isso frustra e nos apresenta a realidade da forma mais crua possível. Assim, quando desnudada essa faceta realística, e ao nos perceber como um alienígena nesse mundo, fica impossível não nos enxergarmos como preteridos.
Decerto, deve haver alguma vantagem nessa existência conflituosa. Ora, se nada ao redor te conecta, porque não aproveitar esse isolamento forçado para aprofundar o autoconhecimento? A cura das nossas feridas está dentro de nós. O outro não nos pode oferecer esse remédio por mera incapacidade dele em mensurar o tamanho da nossa angústia. Nossa carga é levada em nossos ombros, portanto é injusto transferi-la para as costas de alguém. Cabe a nós, por mais difícil que seja, arcar com os infortúnios e, de alguma maneira, tocar a vida. Muitas vezes o coração vai estar oprimido e a boca seca, mas será preciso cambalear, amparando aqui e acolá, e seguir em frente.
Sentir-se incompreendido é um traço típico de quem está batalhando para achar seu lugar. Na verdade, a incompreensão nada mais é que uma consequência desse estado de não pertencimento. Estar deslocado gera incômodo, depois vem a frustração e rebenta na tristeza. Aos que presenciam constantemente essa cadeia de acontecimentos, geralmente não compreendem o porquê do sofrimento da pessoa e, frequentemente, julgam-na, demonstrando certo desprezo. E como a maior parte das pessoas se sentem alinhadas nesse modelo atual de sociedade, os outros desencaixados são vistos com desdém e até mesmo viram alvo de chacotas.
Passar por isso é inevitável e faz parte de um processo amplo dando conta de onde você pretende chegar. Contudo, antes disso, se faz necessário saber quem tu és e o que queres; caso contrário viverá andando em círculos. Uma diminuição drástica de dependência emocional também vem a calhar. Quando você permite que as ações do outro pautem sua vida, atribuindo sentido, felicidade ou tristeza e, além disso, tenha o poder de raptar sua paz, está automaticamente entregando a condução da sua existência nas mãos de outrem. Óbvio que é impossível ser alguém inatingível; entretanto, aprender a somatizar com equilíbrio a influência das pessoas sobre nós é, antes de tudo, um ato de amor-próprio.
Essa dinâmica doentia da dependência é regada pelo ciúme e pela possessividade. Há também um quê Narcísico, onde o dependente quer ser o centro das atenções e não reage bem quando o resultado o contraria. Remonta a esse comportamento a bagagem trazida pela rejeição e pelo estranhamento já antes mencionados. Forma-se, portanto, um combo nocivo, levando o possuidor a experimentação de sentimentos diversos e ruins. No relacionamento, é uma luta constante para sugar até a última gota da energia de com quem se envolve, numa fixação patológica para fins de autopreservação. Quando o expediente não acontece, ou por algum motivo se encerra precocemente, a solidão emplaca e nada mais faz sentido.
Em suma, parece claro que o gatilho a desencadear essas reações adversas está explícito no desconforto daquele que não se sente pertencido como vive. Nasce aí o estopim para todo o resto. Certamente, chegar a essa compreensão nem sempre é fácil para quem está envolto na problemática, pois, sem dúvida, somos seres emocionais e severamente complexos. Leva algum tempo para situarmos, para identificarmos os pontos e refletirmos qual estratégia a adotar. Talvez o primeiro passo seja descartar o autoengano. As coisas não se resolvem negando-as. Assimilar é o princípio para a aceitação. E lembre-se: está tudo bem em não se sentir pertencido, desde que tenha forças para ressignificar esse estágio.
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