QUANDO A LÓGICA DA VIDA SE INVERTE
QUANDO A LÓGICA DA VIDA SE INVERTE
Viver é uma experiência única para o ser humano e o faz distinto em relação aos outros animais. A sofisticação envolvida na transmissão da cultura, por exemplo, só é possível graças aos mecanismos presentes no emaranhado novelo que é a vida. Desde sempre, são os pais os responsáveis em transmitirem para os filhos as coordenadas do mundo e, quiçá sejam elas, suficientes para se ter êxito. Além disso, ensinam também a lógica subjetiva por trás de todo o funcionamento das coisas.
Contudo, às vezes a tal lógica se altera e traz à tona um cenário totalmente inesperado. De todo surpreendente, diga-se, mas, certamente, inevitavelmente doloroso em muitos casos. Dentre esses episódios, o mais inaceitável, sem dúvida, é a triste sina de pais que enterram filhos. Aí configura-se um erro na estrutura da vida que faz qualquer previsão se tornar um mero andar no escuro. Descortina-se, portanto, uma deprimente realidade enfrentada por muitos.
Filhos representam o futuro, o legado, a descendência de uma linhagem que deposita naquele indivíduo inúmeros sonhos, esperanças, fantasias e idealizações. Somado aos desejos do coletivo, estão os anseios do próprio sujeito, formando a sustentação para o desenrolar da toda uma vivência. Infelizmente, de forma abrupta, o destino rouba-lhes o amanhã e nos encarrega da difícil tarefa de continuar, embora destroçados intimamente.
A morte de um filho não desfaz esse vínculo, e começa aí uma jornada penosa dos pais na tentativa de preservar as memórias. Permanece o vazio e a aniquilação de um futuro almejado, tudo isso ao passo de uma existência marcada por uma dor reconhecidamente como a maior já experimentada. O remédio para tanto inexiste na medicina; decerto na espiritualidade, mas ainda não estamos desperto para adentrar nesse plano.
A dor do luto é vivida por cada um individualmente com seus aspectos particulares. Esse processo é influenciado por fatores diversos, desde o grau de proximidade que o enlutado tinha com o falecido, até a disposição de uma rede de apoio para lidar com as consequências psíquicas trazidas pela perda. Varia ao infinito as possibilidades em suportá-la; porém, no fim das contas, é uma batalha qual foi àquela entre Davi e Golias.
O que não varia é o sentimento lancinante de perder um filho. Para uma mãe, é o encerrar da sua vida, mesmo ainda respirando. Assim, por mais que nada mensure ou acalente esse desfecho, cabe a nós, diante de nossas limitações, nos condoer e auxiliar de algum modo. Aos que creem, a prece é um excelente amparo para a travessia do ente e também para consolar a família. Mais do que nunca, ter empatia nesses momentos, é de suma importância.
Se, de fato, existir mesmo uma lógica por trás da vida, por certo ela é falha e injusta. Falha porque quebra o contrato social antes acordado, injusta porque não nos possibilita fazer nada a respeito. Quando os filhos partem primeiro, levam a vida dos pais com eles e deixam, para os demais, um imenso buraco no peito. E tudo isso, definitivamente, não parece ser natural. Resta-nos o sabor amargo da conformação e a fé em entregar a quem, verdadeiramente, sabe sobre tudo e todos.
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