TRABALHAR NA CERÂMICA TORNOU-SE MAIS IMPORTANTE QUE ESTUDAR?





TRABALHAR NA CERÂMICA TORNOU-SE MAIS IMPORTANTE QUE ESTUDAR?


O trabalho dignifica o homem, bradava de maneira assertiva o sociólogo Max Weber quando defendia sua tese acerca das ações sociais mais potentes e dignas observadas na sociedade da época. A frase continua válida nos dias atuais; sobretudo em um país assolado pelo desemprego e com uma carga considerável de desalentados. Contudo, a proposição perde sentido quando os agentes por trás da força laboral são adolescentes ou jovens em idade escolar. Esse retrato é muito comum Brasil afora, no qual milhares de estudantes optam por uma atividade com remuneração precária, a ter que passar algumas horas na escola. 

A contextualização ganha ainda mais força no interior brasileiro, onde a formatação rural responde por uma parcela significativa de indivíduos ausentes da escola, todavia inseridos em trabalhos daquele meio. Ao focarmos no povoado de Beira Rio, município de Oliveira dos Brejinhos-Ba, notamos o quão essa realidade é presente. Aqui, de fronte ao Paramirim, e tendo o semiárido como pano de fundo, as olarias -popularmente conhecidas como cerâmicas, dão a tônica dos destinos dos jovens reticentes  aos estudos e já comprometidos com um futuro árduo.

Nesse raciocínio estão excluídos àqueles sujeitos que não tiveram escolha na vida. Refiro-me aos jovens obrigados a desde tenra idade ajudar no sustento da família; e, deste modo,  por imposição, abdicaram de estudar. Volto-me ao pensamento ingênuo, daqueles garotos que, mesmo tendo a opção de terem uma vida estudantil minimamente regular, mudam de rota e enxergam no labor ceramista a singular estrada capaz de sobrevivência e de satisfação pessoal. Ao passo de ganhos entre trezentos e seiscentos reais,  para esses jovens a troca parece valer a pena; ao menos a curto prazo.

Ledo engano! Estudar pode ser a única saída para fugir de uma vida futura penosa e sem perspectivas. Nada é garantido; mas, de fato, as estatísticas mostram que, quanto maior for o grau de instrução da pessoa, menor será a possibilidade dela viver em vulnerabilidade social. Porém, para essa equação ser exata, necessita-se de um aparato funcional atendendo toda uma estrutura de oportunidades que o jovem precisa ter acesso, principalmente no que se refere à uma escola interessante e capaz de saciar as demandas do seu público. E é justamente nesse ponto o início da mea-culpa encontrada na ação da própria escola. 

A escola pública brasileira, no geral, é desinteressante e está desconectada dos estudantes. Em vez de ajudar os jovens criativos e inteligentes  a desenvolverem plenamente seu potencial, vai na contra-mão disso, promovendo um ensino engessado e maçante, com fórmulas superadas e sem contexto teórico. Esse expediente afugenta o aluno e cria-se, no imaginário dele, uma ideação legítima do que a escola é, e de como ela deveria ser. Logo, é esperado vermos muitos jovens do Beira Rio - e de outros lugares também - abandonarem os estudos.

Não há demérito algum trabalhar na cerâmica, inclusive, são elas as responsáveis por movimentar boa parte da economia local e de empregar inúmeros pais de famílias. Entretanto, quando existe uma luta entre a escola e as olarias para ver quem tem mais força para cooptar os jovens, em uma disputa a saber qual das duas é mais importante, a batalha está se perdendo para o lado da princesinha de Paulo Freire.  E nessa disputa, é preciso que saibamos ficar ao lado da escola, a fim de não corrermos o risco de termos um microcosmo social rico em corpos, mas paupérrimo em intelecto.

O incentivo à cultura de estudar necessita-se de estímulo a todo momento, e no Beira Rio ainda mais, uma vez que ela é pouco fomentada. Conta-se nos dedos os jovens cujos sonhos perpassam em continuar os estudo pós ensino médio.  Além disso, nossa escola tem que abandonar de vez esse caráter insosso e defasado e se reconstruir à sombra do mundo contemporâneo e ao papel do estudante nesse cenário. O movimento de mudança começa de dentro para fora, pela própria comunidade. Ao poder público, embora espera-se apoio incondicional, é razoável não contar com tal; afinal, se os governantes realmente se importassem com a causa, a educação no Brasil não estaria na UTI.

E se tudo falhar, resta-nos a resiliência de ao menos termos tentado. O que não dá é oferecermos tão pouco aos nossos estudantes e nutrir a esperança desavergonhada de resultados melhores a esses colhidos. As cerâmicas não podem ser adversárias da escola, elas devem ser uma escolha futura, ponderada e, quase sempre, quando nada além restar. Lugar de jovem é na escola, e qualquer coisa diferente disso é a prova cabal da falência do Estado, da família e do próprio ser humano.


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